Você imagina todo legado deixado à humanidade por essa viagem? Da tecnologia à alimentação, da comunicação à indústria, conheça alguns desses feitos, nesta conversa com o astrônomo Julio Lobo. O papo rendeu muita ciência, curiosidades e uma certeza: “somos, por natureza, exploradores e descobridores.”

“Um pequeno passo para um homem. Um salto gigantesco para a humanidade”. A frase do astronauta Neil Armnstrong, comandante da missão espacial tripulada Apollo 11 e primeiro homem a pisar o solo lunar, reflete bem o que significou a primeira viagem à Lua, a quinta tripulada do programa espacial da Nasa. O fato histórico em termos de exploração espacial, completa 53 anos. O módulo Eagle pousou na Lua, no dia 20 de julho de 1969.

Para celebrar a data, a equipe do Projeto WASH ouviu um especialista em observar o céu, o astrônomo Julio Lobo, da equipe técnica do Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini, instalado no Monte Urânia, no alto da Serra das Cabras, no distrito de Joaquim Egídio. Lobo se considera um “contador de histórias do universo e da natureza”, e integra um seleto grupo de ‘caçadores de meteoros’.

Para o astrônomo, a viagem à Lua, em 1969, foi um marco para a humanidade. Conta que teve a “felicidade de assistir a descida do homem na lua pela TV Tupi. Tinha nove anos e vi o homem pisando na lua”.

Lobo coloca que a curiosidade do ser humano é fundamental para desvendar os mistérios da ciência. “Nós somos, por natureza, exploradores e descobridores, mas, também, infelizmente, destruidores. A gente destrói uma série de coisas. O homem foi feito para sair do berço. Por isso, com certeza, nós vamos, ainda, explorar os planetas.”

Apollo 11 – oito dias que mudaram a história da humanidade

A missão Apollo 11 decolou do Centro Espacial John F. Kannedy, na Flórida (EUA), no dia 16 de julho de 1969, levando os astronautas Neil Armstrong, Michael Collins e Edwin “Buzz” Aldrin. A viagem durou quatro dias, até a chegada na lua, no Mare Tranquillitatis (Mar da Tranquilidade), dia 20 de julho. Armstrong foi o primeiro a pisar o solo lunar, já no dia 21 de julho, seguido por Aldrin 20 minutos depois. Michael Collins ficou orbitando a Lua a bordo do módulo de comando. Os dois astronautas ficaram durante duas horas e meia caminhando na Lua e coletando pedras e amostras do solo lunar, tirando fotos e fazendo experiências. A viagem de regresso também durou quatro dias, até o módulo aterrissar no Oceano Pacífico, no dia 24 de julho. De regresso à Terra, os astronautas foram recebidos como heróis.

Confira a íntegra da entrevista com Julio Lobo.

WASH: Celebramos no dia 20 de julho, os 53 anos da primeira viagem à Lua. Como o senhor avalia esse feito? O que representou para a humanidade essa viagem à Lua?

Julio Lobo: Estou até caracterizado com uma camisa da Nasa, neste momento da entrevista. E, no fundo, tem um quadro que eu ganhei, de uma grande matemática que ajudou nas pesquisas da Nasa, que é a Katherine Coleman Goble Johnson. Esse quadro é da Regina Freitas e decora meu escritório. Eu tive a felicidade de assistir a descida do homem na Lua pela TV Tupi. Tinha nove anos e vi o homem pisando na Lua. Acho que este foi um dos maiores feitos, não só pela parte de tecnologia, mas por incentivar toda uma geração no campo das pesquisas científicas. Não só astronomia, mas física, engenharia, ciências aeroespaciais, medicina, enfim, diversas áreas. Foi um grande feito.

Pode parecer brincadeira, mas alguns anos depois, o que impulsionou muita gente na carreira científica foi o seriado “Jornada nas Estrelas”. As pessoas se entusiasmavam com a possibilidade de estar com o pezinho fora do nosso planeta.

WASH: Quais os principais avanços científicos decorrentes da corrida espacial?

Julio Lobo: São dezenas e dezenas de avanços. Seria interessante, primeiro, a gente citar coisas que outros pesquisadores fizeram, mas que foram adaptadas pela Nasa para a viagem espacial e, que hoje usamos no nosso dia a dia.

A começar pelo velcro, que foi descoberto ao acaso, por um cientista. E a Nasa viu que o velcro tinha grande utilidade no espaço para ajudar os astronautas nas suas missões. Tem, também, o detector de fumaça, que já existia, mas a Nasa adaptou. Fez diversas modificações para ter, dentro da nave, um objeto mais compacto.

Outra coisa que usamos hoje em dia em casa, é o aspirador de pó sem fio. A Nasa precisava ter o aspirador para não deixar nada dentro das suas espaçonaves. Considero muito importante, também, as transmissões via satélites na comunicação, a possibilidade de transmitir, a longa distância, um fato que estava ocorrendo.

No caso dos bombeiros e funcionários de indústrias de siderurgia, a roupa que eles usam foi baseada nos trajes dos astronautas, que tinham que suportar calor de até 150° positivos.

E os alimentos. Os pesquisadores processaram os alimentos de forma a ficarem fresquinhos ao colocar água. Isso permitiu levar o peso certo dos produtos, já que não podia ter peso extra. Essas foram algumas das coisas que a Nasa desenvolveu para a viagem à Lua.

Pode parecer banal, mas teve que ser criada uma caneta especial para permitir escrever no espaço. As canetas disponíveis não serviam. Então, em meados dos anos 60, um cientista inventou uma caneta com “gravidade zero” e a Nasa usou esse invento na viagem. Muita gente diz que o Tang foi inventado pela Nasa. Não foi. O Tang já existia, mas, um astronauta, numa das missões, tomou o suco e deu fama ao produto. É um legado fantástico.

WASH: Tem outras iniciativas que trouxeram benefícios para a humanidade?

Julio Lobo: A Nasa, usando o grande conhecimento dos cientistas do JPL em processamento de imagens, usou essas técnicas para processar as imagens que os satélites transmitiam da Lua, com altíssima qualidade, para saber o que os astronautas iam encontrar. Esses programas foram usados depois em ultrassom, ressonância, em diversos equipamentos da medicina. Praticamente, podemos dizer que a Nasa criou a telemedicina, para monitorar pressão arterial, batimento cardíaco, uma série de parâmetros dos astronautas. E, hoje em dia, a gente liga o celular e consegue monitorar isso. Devido a tecnologia da ida do homem à Lua.

WASH: Então, o mega investimento que os EUA fazem na pesquisa espacial, vale pelo retorno científico?

Julio Lobo: Quando a viagem completou 50 anos, li que a Nasa teria gasto, aproximadamente, 20 bilhões de dólares na época, para mandar a missão Apollo à Lua. Hoje seria em torno de 170 bilhões de dólares, uma fração do que se gasta no mundo com os armamentos. E um gasto que vem para somar, para ser benéfico para o ser humano. Vale por isso, embora, muita gente diga que o homem não foi à Lua, aquela teoria da conspiração…

WASH: Da terraplana…

Julio Lobo: Da terra ôca e por aí vai. Eu costumo dizer o seguinte: fico imaginando quando Cabral, Magalhães e outros navegadores eram financiados por reis e rainhas de Portugal, Espanha, Inglaterra. Uma viagem daquelas não custava barato. Por conta dessas viagens, os portugueses criaram um sextante rudimentar, mas que podia fazer com que eles navegassem o mundo todo. Tanto que a orientação para os capitães, caso a nau fosse abordada por um navio pirata, era de destruir esse equipamento. Fico imaginando nas ruas de Lisboa, Madri, a população reclamando de gastar dinheiro com as navegações. Mas graças a isso, um tanto de alimentos, como batata, tomate, frutas que consumimos hoje foram conhecidos.

WASH: Essas aventuras abrem horizontes?

Julio Lobo: Sim, graças a essa curiosidade que o ser humano tem. O ser humano foi feito para sair do berço. Uma vez eu fiquei observando, no largo do Pará, em Campinas, que várias mulheres ficavam conversando e suas crianças brincando. E tinha uma criança que andava dois metros e voltava, três metros e voltava, quatro metros e voltava, até que criou coragem e estava indo para a rua. A mãe teve que correr para segurar a criança.

Ou seja, nós somos, por natureza, exploradores, descobridores, mas, também, infelizmente, destruidores. A gente destrói uma série de coisas. E o homem foi feito para sair do berço. Por isso, com certeza, nós vamos ainda explorar os planetas.

Eu fico imaginando que, se o Elon Musk cumprir aquilo que prometeu de uma missão tripulada para Marte, com certeza daqui a uns 70 anos vão falar que foi mentira, que o homem não foi para Marte. Sempre vai existir a turma do contra, sempre.

WASH: O que move a ciência é essa curiosidade?

Julio Lobo: Exatamente, o que faz a gente querer saber sempre mais. Só que, infelizmente, quando se consegue responder a duas perguntas, aparecem outras 30.

Agora, temos o Supertelescópio James Webb, que basicamente foi fruto dessa exploração espacial que a Nasa começou nos anos 60, com a ida do homem à Lua. É um feito incrível e, com certeza, responde algumas perguntas, mas, muitas outras surgem.

WASH: Por que o Brasil, que até colocou um astronauta numa viagem espacial, investe tão pouco em pesquisa espacial?

Julio Lobo: De modo geral, o  Brasil investe muito pouco em ciência. Embora, a gente tenha cientistas brilhantes, mentes extraordinárias aqui, no Brasil, que acabam indo para outros países, onde encontram mais recursos para desenvolver seus projetos.

Acredito que, no Brasil, ainda teremos governantes – não sei quando isso vai acontecer, mas espero estar vivo pra ver – ajudando muito a ciência; e, entendendo que o país só vai ser grande, só vai gerar emprego e resolver um monte de mazelas sociais, investindo pesado na ciência.

WASH: Qual o papel do Observatório Municipal de Campinas Jean Nicolini nesse sentido?

Julio Lobo: O nosso papel no Observatório Municipal é divulgar a ciência. Por isso, digo que sou um contador de histórias do universo, da natureza, porque é isso que nós somos. Cada vez mais, agora com 62 anos, estou descobrindo pessoas que, quando eram crianças, visitaram o Observatório e se entusiasmaram tanto que seguiram carreiras médicas, nas engenharias. Uma menina uma vez, se entusiasmou tanto, que na época eu disse: “um dia você vai voltar e dizer que está trabalhando na Nasa. Dezessete anos depois, ela voltou para dizer que havia se doutorado em ciência aeroespacial e fazia um mês que tinha sido contratada pela Nasa como engenheira. Veio me contar isso e fiquei todo feliz da vida. Acho que esse é o papel nosso, de estar fomentando novas gerações, pessoas que tenham esse olhar voltado para a ciência.

Se nós estamos conversando dessa maneira hoje (por sala meet), foi graças a algum cientista que inventou esse método. O próprio telefone celular, o circuito integrado que tem nele, começou com a ida do homem à Lua. Os aviões, que temos hoje, monitorados por computador, também. As primeiras naves a terem computador, foram as missões Apollo. Esse sistema primeiro foi adaptado para os aviões das forças armadas americanas e depois virou uma coisa normal em todo avião. Então, é um legado enorme. Mas, para mim, o principal legado, além do tecnológico, na época, foi formar uma geração de cientistas e engenheiros que deram uma contribuição enorme à ciência. Doze homens caminharam pela Lua, nas missões Apollo 11, 12, 14, 15, 16 e 17. Cada missão levava três astronautas, um que ficava em órbita e dois que desciam na Lua. O pertinente é que já estão levantando como será no futuro. Pode parecer utópico, mas, daqui a 40/50 anos serão feitas viagens turísticas para a Lua. Já está sendo pensado em como preservar os sítios dos astronautas, pegadas, restos de nave que deixaram lá, para que ninguém pegue e traga como souvenir. Pensando no futuro.

Os astronautas, também, deixaram na lua, seis espelhos de, mais ou menos, um metro de comprimento e, duas vezes por ano, daqui da terra, mandam pulsos laser para esses espelhos espalhados na lua. O pulso vai, bate e volta. Graças a esse sistema, os cientistas descobriram que a lua está se afastando da terra cerca de 3 centímetros por ano.

WASH: Que interessante. Então, viva a ciência.

Sim. Descobriram isso. Agora, os chineses estão explorando bastante a Lua, dizem que eles têm planos para fazer bases para viagens à Lua. E os americanos, para não ficarem atrás, criaram a missão Artemis, que deve ser lançada nos próximos anos. Uma missão mista que inclui enviar afroamericanos e mulheres na missão. Então, em breve, teremos mulheres e afroamericanos pisando na Lua, pela primeira vez.

Estão estudando como serão essas bases lunares. Como na Lua não tem camada protetora de ozônio, como temos na Terra, provavelmente terão que achar uma caverna, que chamam de tubo de lava vulcânica, para fazer a base. Uma coisa que pode parecer trivial, nossas mães, tias, avós, sempre tinham em casa, perto da porta de entrada, uma planta chamada Espada de São Jorge, que é para tirar mau-olhado. A Nasa descobriu que essa planta é uma bomba de oxigênio, ela pega todo o ar impuro e libera oxigênio puro. Provavelmente, farão estufas, e vão levar essa planta e outras que também produzem oxigênio puro para reciclar o ar da base. Inclusive, já levaram algumas dessas plantas para a estação internacional e a qualidade do ar melhorou muito, segundo os estudos realizados. É a natureza se integrando à alta tecnologia e o homem, sempre pesquisando e descobrindo coisas novas.

WASH: Em 2019, o Observatório fez uma parceria com o CTI Renato Archer, dentro dos objetivos do Projeto WASH, para construir um sistema de controle de um grande telescópio. O WASH, inclusive, colocou um bolsista do Projeto para acompanhar esse trabalho. Como essa parceria foi um diferencial para a comunidade?

Julio Lobo: A colaboração do Projeto WASH foi incrível. Costumo dizer que, com esse novo sistema, implantado com o apoio do WASH, entramos no século 21. O problema é que o único que fazia observação técnica com esse telescópio era eu. Para chegar até ele, tem uma escada muito ruim, e como estou com um problema no joelho, há um bom tempo que não consigo subir a escada para chegar a ele. Até estava vendo a possibilidade de automatizá-lo para que eu pudesse operá-lo a longa distância, o que é comum em grandes observatórios. Mas, como tem muito eucalipto ao redor do Observatório, nossa internet é uma carroça, não funciona.

Quando o Observatório recebe um grande fluxo de pessoas, a gente abre esse telescópio ao público – isso já aconteceu algumas vezes. A dificuldade é o acesso a ele. A escada é muito ruim, só pessoas jovens conseguem subir, senhoras e senhores de idade e crianças pequenas ficam receosas. Já solicitamos à prefeitura para fazer uma escada externa, mas não se concretizou. Tenho fotos de arquivo de quando ele estava começando a ser transformado – quer dizer, não o telescópio, mas o sistema de guiagem. O telescópio é da marca Group Mod.128 constituído por dois telescópios. O principal de 0.6m, tipo refletor Cassegrain, e a luneta procuradora 0.08m, instalada na mesma estrutura, com montagem equatorial, abrigado em prédio próprio, com cúpula motorizada de 5.80m de diâmetro.

WASH: Obrigada professor. O senhor gostaria de acrescentar algo mais?

Julio Lobo: Como curiosidade, na Lua todas as crateras têm nome, de cientistas, filósofos…, e temos dois brasileiros que emprestam seus nomes a crateras lunares: na parte visível da Lua tem uma cratera chamada Santos Dumont, em homenagem aos feitos dele. E na parte oculta, tem a cratera Abrahão de Moraes, que foi um professor e um grande cientista e pesquisador. Inclusive, ele dá nome ao Observatório de Valinhos.

Sempre brinco, de uma maneira digamos, esnobe, que na Lua tem uma cratera com o nome de Júlio César, que é meu nome. E tem também uma constelação, chamada Lupus, que é o lobo. Então digo que dou nome a uma cratera na Lua e a uma constelação (risos). Claro que não tem nada a ver comigo.

Texto: Delma Medeiros