Entrevista com TC Silva, coordenador da Casa de Cultura Tainã, em Campinas

Parceira do Programa WASH em diversos projetos e atividades culturais e em ações da cultura digital, a Casa de Cultura Tainã, em Campinas, acaba de completar 31 anos e, para marcar essas mais de três décadas, o Programa WASH convidou TC Silva, coordenador da Casa para um diálogo sobre cultura.

A Casa de Cultura beneficia um público, que vai da infância à terceira idade, com diversos projetos, entre eles a Orquestra Tambores de Aço, Projeto lidas e letras, Fábrica de Música, Projeto Tambor Menino, Projeto Musical JAM , Maracatu Nação Tainã, Rede Mocambos, Projeto Acampamento Quilombolinhas, Baobaxia e lançou, agora, o Centro de Documentação e Memória Tainã.

As comemorações destes 31 anos contam com uma série de atividades, que tiveram início no dia 14 de dezembro e prosseguem até o dia 21, próxima segunda-feira. Toda programação está sendo disponibilizada online, aberta e gratuita, no endereço taina.net.br/31anos. É cultura pra agradar a todos! Confira a íntegra da programação abaixo e acompanhe a entrevista com o coordenador, TC Silva.

WASH: Como surgiu a Casa de Cultura Tainã e por que esse nome foi escolhido?

TC Silva: A Casa de Cultura nasceu no final dos anos 80, na Vila Castelo Branco, sendo fundada por uma mulher. Mas, logo a sede da Casa mudou para o bairro Padre Manoel da Nóbrega; e não havia sentido uma casa de cultura da Castelo Branco, instalada no Nóbrega, ainda permanecer com esse nome inicial. Nós buscamos algo que representasse nossos sonhos, nossas trajetórias, nossas origens, nossa cara. O nome da casa nos inspira a pensar e trabalhar a concepção e compreensão do mundo, uma vez que a gente se reconhece nesta nomenclatura indígena, dos povos originários, e toda nossa orientação é africanizada. A gente carrega muito os valores da nossa ancestralidade; por isso, a escolha de um nome Tupi-Guarani. Tainã significa caminho das estrelas ou é associada à estrela que brilha.

WASH: E qual a proposta de ação da Casa Tainã?

TC Silva: Nós propomos construir um mundo melhor, sonhar juntos. Buscamos tecer redes, sonhos e atuar de forma conectada para mudar as pessoas e mudar o mundo. Nosso elemento fundamental é o tambor, que propõe outra percepção de mundo, a percepção de nós, mesmos. Onde se toca o tambor, há felicidade, interação, confraternização, gente feliz, há a celebração da vida. O tambor permite transcender e, neste mundo tão doente, o tambor é um elemento de cura. O tambor existe dentro de cada um de nós, basta que a gente pense no pulsar do nosso coração. Nós não conseguimos imaginar esse país culturalmente, sem o tambor. No Maracatu, no Bumba Meu Boi, no Jongo, no Moçambique, na Capoeira, no Samba, o tambor está presente. Ele foi trazido por essa cultura afroindígena. Se a gente tirar o tambor da cultura, o que sobra? O Brasil ficará pobre.

WASH: Como é conduzir uma organização/entidade cultural neste país?

TC Silva: A gente se sustenta pela fé, pela vida, e é isso que nos anima. Temos consciência do que somos e podemos, porque a fé nos sustenta. O dinheiro não determina tudo. O nosso desafio é manter essa confiança. Vou só te dar um exemplo. Uma certa vez, em contato com o pessoal do Google, que tem essa representação e importância toda na cultura digital, perguntamos o que eles queriam enquanto meta. E o pessoal respondeu que a meta deles era o infinito. O próprio símbolo do Google é infinito (1+100 zeros) – você pode imaginar o que é este número? Uma coisa quase que impronunciável. O Google está aí mais forte do que nunca, mas nós temos a nossa própria plataforma, persistimos com o uso de código aberto, trabalhamos com Software Livre. Nós somos a maior experiência e persistência de uso de Software Livre. Nós discutimos apropriação tecnológica. A tecnologia faz parte da nossa vida, mas é sempre bom lembrar que ela tem origem africana, uma vez que a Matemática e Física têm este berço. Quando falamos de tecnologia, temos que ter esse conhecimento. As tecnologias, na África, eram desenvolvidas para melhorar a vida do grupo. Quando produzimos música, afinação de instrumentos com precisão, escalas musicais, pensamos em Matemática. É este sentido que temos que buscar para melhorar a nossa existência. Não trabalhamos para o EU, tudo tem que ser feito para o NÓS. Queremos dizer nossa terra, nossa casa, nossas crianças. Este é o marco civilizatório necessário. Que civilidade é essa que vivemos hoje, que pensa no planeta de forma dividida, separado por demarcações de terra ou mar? Pra mim, isso é discurso de colonizador, de quem quer dominar. Isso é doença! Nós queremos cura.

WASH: Quais são os desafios futuros?

TC Silva: O maior desafio é continuar a caminhada, sem se contaminar pelo vício, que é traduzido pelo capitalismo. O dinheiro não é o problema, mas, sim, a forma como ele é acumulado e distribuído. A tecnologia não é o problema, o problema estará sempre no usuário e não no ferramental/no material. A lógica de onde essas coisas podem nos levar, a forma como elas nos imbecilizam por esse desejo de acumular. Que lógica é essa, aonde vamos parar com tudo isso? Já imaginou usar todo dinheiro do Bill Gates para matar a fome no mundo?

WASH: No cenário de pandemia, como fica a cultura, que sofre ainda mais com todo este descaso e falta de recursos?

TC Silva: O cenário atual é muito trágico. Precisamos mudar isso. O cenário da Cultura é o cenário da mendicância de recursos públicos. A cultura se alimenta de editais, que é só de alguns poucos privilegiados. Vivemos uma política de sobrevivência e essa ideia de sobreviver é do colonizador – sobreviventes não pensam, não sonham, não se alimentam, só sentem pânico. O ser humano não pode ser sobrevivente, ele precisa ser pleno. Só o sonhar permite que prossigamos, porque a cultura alimenta a alma.

WASH: Vocês têm uma ideia de pessoas, que vocês estão conectados?

TC Silva: Eu convido a todos para conhecer nossa rede no endereço mapa.mocambos.net. Lá, é possível ter uma ideia de organizações conectadas: quilombolas, indígenas, ribeirinhas, comunidades, coletivos de cultura, entre outros. É uma base enorme para citar. Nós acabamos de inaugurar um Centro de Documentação e Memória, com data center comunitário, porque temos isso como política para o povo. Nós temos essa consciência do que somos, porque nós só temos a nós mesmos, o resto é ilusão.

WASH: Agora, quanto às comemorações?

TC Silva: A gente está reunindo, reconectando, ressignificando, recriando, reconstruindo tudo que vivemos até aqui. Temos uma infraestrutura, temos uma web, ferramentas proprietárias. Nós estamos usando tudo que desenvolvemos nestes 31 anos de trajetória. Nós temos uma rede nas comunidades, não dependemos da internet. Produzimos coletivamente e são marcos na história deste país. São iniciativas pioneiras.

Neste momento, vivemos um momento com novas características, com novos significados, e temos uma leitura: estamos vivendo uma grande travessia num oceano bravio, sem visão, e o que nos resta é sonhar com um lugar ideal, com outro mundo; e, para isso, precisamos abrir mãos dessa velha bagagem, dos velhos vícios   que carregamos.

WASH: Vocês contam com apoio fora do âmbito governamental?

TC Silva: Nós somos uma rede colaborativa. 80% da nossa caminhada foi construída pela rede de colaboradores, todos ajudando. O recurso humano nunca nos faltou. Nós acreditamos que está aí, o poder maior de tudo.

WASH: E só voltando num tema de nosso interesse, a relação das crianças com a tecnologia. Na programação comemorativa, vocês terão atividades específicas para esse segmento?

TC Silva: Hoje, as tecnologias contemporâneas precisam ser dominadas por nós ou seremos dominados por elas. A gente percebe que as tecnologias são direcionadas de forma massiva para as crianças. As crianças são o alvo e nós geramos pouco conteúdo. Nossa proposta com a atividade para as crianças é estimulá-las a serem criadores. A média diária de uso de um celular por uma criança bate as 8 horas. E nós costumamos dizer que não temos tempo, nem pra vida, nem para as crianças. Enquanto isso, elas estão lá, usando tecnologias, que não garantem identificação, que roubam o sonho delas, que criam memórias artificiais, que roubam o tempo de brincar. Uma criança de 4 anos, me fez pensar sobre isso, quando me contou que estava assustada com um sonho. Com a pandemia, é preciso olhar a quantidade de crianças que estão lá, com o celular nas mãos, dentro de casa. Precisamos negociar esse tempo de exposição à tecnologia. Não podemos negar a tecnologia; mas, é preciso dar sentido para ela. Se a gente conseguir sair do lugar de consumidores para narradores de histórias, de processos, dos seus lugares, dos seus avós; vamos conseguir dar sentido. É preciso ter preocupação total com as crianças e dar prioridade total a elas. Elas são a semente.

Redação: Denise V. Pereira

Revisão Nádia Abilel de Melo

Fotos:

Programação tem atividades até o dia 21/12
Tambor: “elemento fundamental, que propõe outra percepção de mundo, a percepção de nós, mesmos. Onde se toca o tambor, há felicidade, interação”

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