Atividades desplugadas impactam o tratamento dos pequenos e jovens pacientes do CIN – Centro Integrado de Nefrologia

Crianças e adolescentes, na faixa etária dos 4 aos 15 anos, que enfrentam sessões de hemodiálise, em tratamentos durante duas ou três vezes na semana, no Centro Integrado de Nefrologia da Universidade Estadual de Campinas (CIN-Unicamp), desde março deste ano, contam com atividades/oficinas do Projeto WASH.

A tarefa não é simples. São atividades com um público diferenciado: pacientes que estão ligados a máquinas, por quatro ou cinco horas, para filtragem do sangue, uma vez que apresentam doença renal. “São crianças estáveis, mas, em tratamento de saúde”, afirma Ilka Packer Gonçalves, 46, médica formada pela Unesp Botucatu, com Residência Médica em Pediatria e Nefrologia pela Escola Paulista de Medicina (Unifesp), do  Centro Integrado de Nefrologia (CIN), que levou o projeto para a Unicamp. O ambiente da hemodiálise é, também, novo para o Projeto WASH, acostumado a atuar dentro das  escolas.

O início da parceria

A parceria nasceu por meio de um contato com a Coordenação do WASH. “O coordenador do Projeto, Victor Pellegrini Mammana, me apresentou o WASH. Eu mostrei para o meu filho de 13 anos, que fez algumas oficinas de Scratch e gostou”, conta a pediatra.

A pediatra acrescenta que, por atuar na Hemodiálise, imaginou que outros jovens e crianças também poderiam gostar. “Na ocasião, tive contato com um paciente, que passava por um momento difícil da doença renal. Ele chegou a perder o transplante de rim e voltou à  hemodiálise. O jovem apresentava um quadro que exigia muita atenção. Familiares estavam preocupados com o impacto emocional da doença para o paciente. E, no contato com a mãe desse jovem, ela dizia que ele queria aprender a fazer jogos. Então, veio esse link imediato de trazer o Projeto WASH, a princípio, para ele.”

A médica relembra que o jovem fez as oficinas. “Ele gostou muito, e queria mais e mais. Então, veio o desejo de expandir o Projeto. Pensamos por que não levar essa atividade para mais crianças que estão na diálise? Pensei, na hora, que as crianças poderiam ter esse aprendizado, essa oportunidade, esse envolvimento com o lúdico, com novos conhecimentos.”

Segundo Ilka Gonçalvez, a próxima etapa foi a busca de uma bolsista com perfil para o atendimento das crianças. “Por estarmos na Unicamp, mas num ambiente diferente, o coordenador, Victor Mammana, buscou uma bolsista que se encaixasse nesse perfil, que é diferente da escola. “Não é um ambiente hospitalar total, mas é um espaço com crianças doentes, ainda que estáveis.”

A médica afirma que os serviços de hemodiálise no Brasil são bem escassos. “Existem bem poucos hospitais ou clínicas com hemodiálise, capacitadas para atender crianças, mesmo no Estado de São Paulo.”

Destaque para o papel da bolsista

A também nefrologista destaca que se trata de um trabalho muito especial e não poupa elogios à bolsista do WASH, Sanda Lanza, que desde março, todas às terças-feiras, no período das 7h30 às 10h30, desenvolve as oficinas com as crianças e adolescentes do CIN. “A atuação da Sandra é exemplar. Ela consegue levar para o ambiente uma ‘vibração’, que interfere positivamente no tratamento das crianças, no ambiente, em toda a equipe (profissionais da enfermagem, médicos) e familiares”.

A médica ressalta como resultados do Projeto, a melhoria do ambiente para os pacientes e o impacto, até mesmo, nas reações durante o tratamento. “Com as atividades do WASH, as crianças e jovens, mesmo conectadas às máquinas, ficam menos concentradas na sessão de hemodiálise e acabam apresentando menos manifestações clínicas (dores e intolerância ao tratamento).” Ilka Gonçalvez explica que é muito normal que crianças não queiram ficar ali, ligadas às maquinas; peçam para desligar os aparelhos; e, agora, durante as oficinas, a percepção do tempo que elas ficam no aparelho, se torna mais leve.”

O papel da bolsista é importante, porque ela tem que estar preparada para enfrentar um ambiente onde há sangue exposto e conviver com todo o aparato das máquinas, esclarece. “As crianças, muitas vezes, podem apresentar dor, podem chorar, podem querer dormir, ter vômitos e mal-estares. A oficina precisa respeitar o momento de cada criança e isso, acontece”.

Experiência inédita

A alfabetização digital com crianças em hemodiálise é uma experiência inédita no CIN-Unicamp. A pediatra, Ilka Gonçalves, conta que, “antes da pandemia, estudantes da Pedagogia e Fonoaudiologia da Unicamp já atuaram com o público, auxiliando nas tarefas e dificuldades escolares;  estudante da Física, com o trabalho lúdico com mágica e jogos de tabuleiro, como parte do trabalho de iniciação científica desenvolvido por eles. O Centro  já recebeu voluntários para  brincar, ler histórias e conversar, mas a ação de alfabetização digital é algo novo.”

A médica atua, também, com pediatria geral, atendendo crianças em  pronto-socorro infantil e em dois serviços de hemodiálise infantil: na Unicamp e no Hospital Samaritano,  em São Paulo, atendendo crianças pelo SUS, em sua grande maioria; e algumas crianças por convênios, no Hospital Samaritano.

Adaptando as atividades para atender a todos!

As oficinas que o WASH leva às crianças do CIN-Unicamp são definidas como “Computação desplugada” – série de atividades que adotam o pensamento computacional em atividades simples como desenhar, escrever, colorir, e integram o projeto da bolsista do WASH, Sandra Lanza, que é bióloga, formada pela PUC Campinas.

Sandra explica que o objetivo, desde o início do seu trabalho, foi garantir atividades para que as crianças usassem o pensamento computacional, sem a necessidade imediata de computadores. “A ideia é ajudar as crianças a pensarem como o computador. Entretanto, a próxima etapa é incluir o uso de laptos e computadores, mas o Projeto depende de doações desses equipamentos.”

Como o nível de aprendizado de cada criança é diferenciado, a bolsista afirma que o trabalho é específico para cada criança. “Atuo com trabalhos que envolvem a coordenação motora fina (desenhos, letras, números, pintura etc), mas, posso adotar comandos para a formação do desenho semelhantes aos comandos de um computador.”

Sandra afirma que, independentemente da criança estar ou não alfabetizada, é feito todo um trabalho de reforço escolar durante as oficinas. “Como o grupo é pequeno, é possível fazer um atendimento individualizado. São cerca de sete crianças e adolescentes.”

De acordo com a bolsista, ela busca o apoio das mães, que estão ali acompanhando os filhos  em tratamento – inclusive, solicitando o envolvimento delas para que as atividades tenham continuidade em casa.

“Agora que o WASH está há cerca de cinco meses atuando no CIN, percebo avanços nas crianças. Já é possível conhecer o desenvolvimento de cada uma delas e propor novas atividades e a inclusão, gradativa, de oficinas de Scratch. Esse trabalho é progressivo, pois as crianças já estão conectadas a uma máquina; e garantir atividades lúdicas que tornem esse momento de tratamento de saúde mais leve para elas é uma vitória para todos os envolvidos”, comenta Sandra. A convivência com as crianças ainda permite que ela possa perceber até mesmo o humor de cada uma das crianças. “Pela força que elas colocam no lápis, na hora de colorir, por exemplo, percebo os sentimentos que elas vivenciam naquele momento”, acrescenta.

Desafios para a expansão: mais bolsistas, equipamentos e envolvimento

Segundo a nefrologista, Ilka Gonçalves, agora que o WASH está em pleno andamento, o projeto deve vencer alguns desafios para que possa ser expandido para o público do CIN. “Existe a necessidade de mais um bolsista  para atender melhor a solicitação e demanda das crianças em hemodiálise e para que o trabalho possa evoluir. Nosso desejo é aumentar o número de atividades semanais do WASH, também. Hoje, as oficinas acontecem apenas às terças e seria muito positivo se fossem realizadas, também, às quintas. As crianças já começam a pedir a ampliação da atividade. A maioria faz o procedimento às terças, quintas e sábados; e algumas, diariamente, exceto aos domingos.”

A pediatra, ainda, destaca a necessidade de equipamentos para as atividades. “Precisamos de computadores. Tentamos solicitar internamente na Unicamp e não conseguimos. Agora, estamos em busca de doações. Já solicitamos para algumas empresas e aguardamos respostas ao pedido.”

A médica lembra que outra ação importante é a sensibilização dos familiares. “Vamos atuar para envolver ainda mais as mães, para que as atividades tenham continuidade em casa. As famílias desses jovens e crianças vivem sob a  demanda da doença desses pacientes. Precisam administrar medicações, ter cuidado redobrado com a alimentação, com questões burocráticas de todo o tratamento, o que dificulta o envolvimento delas em outras áreas da vida da criança. Conforme elas percebam a melhora de seus filhos, durante o procedimento, dado o envolvimento deles nas atividades que a Sandra traz, através do projeto, esperamos que elas se envolvam ainda mais.”

A Hemodiálise da Unicamp, onde acontecem as oficinas do WASH, fica no térreo do prédio do Centro Integrado de Nefrologia – CIN,  próximo ao anexo hospitalar, mas não dentro do hospital.

Redação: Denise Pereira